quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO

ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO


O objecto de análise do presente estudo é a acção administrativa de condenação à prática de acto administrativo devido.
Quanto ao objecto deste estudo será feita uma breve contextualização legal, seguida da análise da compatibilidade desta acção com o princípio da separação de poderes, serão analisados os pressupostos desta acção e objecto que esta poderá ter e por fim a questão dos prazos
Antes de maiores desenvolvimentos importa esclarecer que a acção em análise está prevista na alínea b) do n.º2 do artigo e na alínea b) do n.º1 do artigo 37˚ do Código do Processo dos Tribunais Administrativos e tem a sua regulação prevista nos artigos 66.˚ a 71.˚ do Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
Uma das linhas de argumentação que é levada a cabo por parte da doutrina para negar a possibilidade do poder judicial condenar a Administração à prática de acto administrativo devido é a de afirmar a sua incompatibilidade com o princípio da separação de poderes.
Para os defensores desta posição a incompatibilidade desta acção com este princípio esta possibilidade funda-se no facto de se entender não seria admissível permitir que um juiz emitisse ordens que pautassem o comportamento da Administração. Assim, caberia ao juiz apenas poder de anular actos administrativos.
Contudo, e seguindo a linha de pensamento de VASCO PEREIRA DA SILVA, a condenação da Administração à praticar um acto devido não leva a que se considere que o tribunal, quando emite tal sentença pratica um acto em substituição da Administração.
Muito menos se afirma que deve haver uma intromissão do juiz nas competências da Administração.
Procura afirmar-se, através desta acção, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, mais concretamente, pretende-se que os particulares consigam agir contra a Administração de forma a assegurar os seus interesses lesados pela acção ou omissão da administração.[1]
Com o aparecimento do n.º4 do artigo 268.˚, Constituição, após a Revisão Constitucional de 1997 foi estabelecida, no quadro da tutela jurisdicional efectiva, a possibilidade de “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”.
Foi com a reforma do contencioso administrativo de 2002/2004, que se verificou a criação de um meio processual condenatório que permite aos particulares a obtenção de uma sentença de condenação da Administração.
No período que mediou entre 1997 e 2002, foram propostos vários modelos possíveis para a condenação da Administração.
Merece destaque o modelo alemão de Verpflichtungsklage, que, segundo Vasco Pereira da Silva, é “uma verdadeira e própria acção condenatória”[2], que permitiria a condenação da administração nos casos de omissão, bem como nos casos em que existisse um acto ilegal anterior de conteúdo negativo.
Este foi o modelo que o legislador português acabou por escolher aquando da realização da referida reforma.
Feitas estas considerações importa agora atender ao objecto desta acção e aos seus pressupostos.
O particular pode obter a condenação da entidade competente quando o acto administrativo tenha sido ilegalmente omitido ou recusado através da condenação à prática de acto devido, nos termos do n.º1 do artigo 66.˚ do Código do Processo dos Tribunais Administrativos,
Importa agora desenvolver o conceito de acto devido para efeitos do objecto do processo.
Assim, acto devido será aquele que não tenha sido emitido tendo a Administração o dever de o emitir, podendo esta falta de emissão ficar a dever-se a uma recusa ou a omissão da Administração.
Este meio processual será igualmente adequado quando haja um acto positivo que não satisfaça a pretensão do administrado ou que não a satisfaça de forma integral.
O acto devido que está em causa, nos termos do n.º1 do artigo 37.º, é apenas uma decisão administrativa.
A expressão legalmente devidos, que consta do referido artigo, deve, segundo VIEIRA DE ANDRADE, ser entendida em sentido amplo.
Assim estão contidas nesta “a generalidade dos casos em que a omissão ou a recusa sejam contrárias à ordem jurídica”, excluindo-se, consequentemente “as situações em que a prática do acto pretendido corresponda a um mero dever de boa administração [3].
No entanto há que chamar à atenção para o n.º1 do artigo 67.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, segundo o qual,  existe uma requisito prévio a esta acção que é o de o particular apresentar um “requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir”.
Preenchido este requisito prévio a acção será procedente nos seguintes casos, já previstos antes da Reforma de 2015:
·      Quando não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido, conforme dispõe a alínea a) do n.º1 do artigo 67.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos;
·      Quando tenha sido praticado acto administrativo de indeferimento, conforme dispõe a 1.ª parte da alínea b) do n.º1 do artigo 67.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos;
·      E, quando tenha sido recusada a apreciação do requerimento a que se refere o proémio do nº1 do artigo 67˚ do  Código do Processo dos Tribunais Administrativos conforme dispõe a 1.ª parte da alínea b) do n.º1 do artigo 67.º do mesmo Código.
A Reforma de 2015 do Código do Processo dos Tribunais Administrativos veio introduzir três novas possibilidades em que o particular pode fazer uso desta acção:
·      Quando tenha sido praticado acto administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado, conforme dispõe a alínea c) do n.º1 do artigo 67.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos;
·      Quando não tenha sido cumprido o dever de emitir um acto administrativo que resulte directamente da lei, conforme dispõe a alínea a) do n.º4 do artigo 67.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos;
·      E quando se pretenda obter a substituição de um acto administrativo de conteúdo positivo, conforme dispõe a alínea b) do n.º4 do artigo 67.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
Por último importa atender aos prazos para a propositura da acção de condenação à prática do acto devido.
Assim, em caso de omissão da Administração o prazo de propositura é de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido nos termos do n.º1 do artigo 69.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos.
 Já quanto às situações de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um acto positivo o prazo para a propositura da acção é de três meses nos termos do n.º2 do artigo 69.˚, com destaque para a remissão da parte final do nº2 do art.69˚ quanto à contagem dos prazos.
Perante uma situação de acto nulo, estabelece o prazo de dois anos para o pedido de condenação à prática de acto devido a contar da data da notificação do acto, do acto de recusa de apreciação do requerimento ou do acto de conteúdo positivo que o administrado pretenda ver substituído, nos termos do n.º3 do artigo 69.º.
Sem prejuízo da faculdade do particular poder optar pela impugnação do acto nulo, livre dos limites temporais colocados pelo prazo previsto no mesmo artigo.
Quanto ao prazo aplicável à acção pública, não havendo normal legal expressa que o determine parte da doutrina tem entendido que deve ser intentada no prazo de um ano nos casos de omissão e no prazo de três para os restantes casos[4].

Francisco Maia Cerqueira
140112098





[1]PEREIRA DA SILVA, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª edição, Coimbra, pp. 377 e 378.
[2] PEREIRA DA SILVA, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, ob. cit. pp. 382.
[3] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, Almedina, 14º ed., 2015, p. 181.
[4] Neste sentido: VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, ob. cit., p. 188.

Ao lado destes senhores Fernando Pessoa era um menino

A acção de condenação é tida como um meio processual diferente de tudo o que existe. A infância difícil do contencioso administrativo levou a que a actuação do juiz fosse verdadeiramente limitada, inicialmente o contencioso era de mera anulação, onde o juiz apenas podia anular as decisões administrativas. No séc. XIX começaram a surgir as acções de condenação no domínio contratual e da responsabilidade civil.
Quando a administração tem um dever de actuar de certa forma para evitar que se deixe de cumprir a lei e haja uma omissão de actos administrativos, pode-se considerar esta omissão como um acto tácito. Assim surge a teoria do acto e indeferimento tácito, permite-se que num contencioso de anulação se possa reagir contra as omissões administrativas. Isto procurava um efeito quase condenatório onde se fingia que a administração ao nada fazer estava efectivamente a praticar um acto, assim o particular fingia que tinha sido alvo de um acto administrativo tal como o juiz considerava estar perante um acto administrativo. Apenas podemos dizer que Fernando Pessoa ao lado disto era um menino.
Mas a questão não se reconduzia meramente a ilações teóricas, produzia igualmente consequências práticas. Surgiram então dois problemas a esta anulação de actos tácitos de indeferimento. Condenação à pratica de um acto não é o mesmo que a condenação à pratica de um acto em sentido diverso. Do ponto de vista teórico é algo difícil conceber que a anulação da ausência de um acto pudesse levar a condenação na pratica de um outro acto diferente. Na Alemanha, dentro de um quadro pós-guerra existia a logica de Lei fundamental, uma lei de contencioso administrativo razoavelmente eficaz. Foi abandonado o modelo Francês e Italiano e vieram a surgir as acções de condenação, estas não se destinam apenas a omissões administrativas, mas na época entendeu-se que depois de ultrapassado o trauma da impossibilidade e admitida a hipótese de uma acção de condenação da administração esta devia existir tanto quanto a actos de conteúdo negativo tal como as omissões. Isto cria um meio processual novo, a acção de cumprimento de um dever que iria levar à condenação da administração na consequência de um pedido. Isto permite um controlo mais eficaz da administração e permite distinguir os pedidos que tanto podem estar ligados à pratica de um acto como na pratica de um acto com determinado conteúdo, tudo vai depender do grau de vinculação a que a administração está submetida e do objecto do processo.

Em Portugal seguiu-se o modelo alemão possuindo uma grande amplitude. O artigo 66/1º inclui no seu texto “os actos omitidos ou condenados”. Em casos de actos administrativos com conteúdo negativo ainda que parcialmente, o pedido adequado deverá ser o de condenação, sendo que este deveria prevalecer sobre os pedidos de condenação que pudessem surgir, isto encontra-se no mecanismo processual previsto no artigo 51/4º. Este artigo 51º demonstra a preferência do legislador para os actos negativos ou de omissão em que o pedido deve ser o de condenação. A artigo adveio do projecto da reforma de 2002/2004, onde o tribunal iria transformar o pedido de anulação num pedido de condenação. O Professor Vasco Pereira da Silva considera que uma regra deste género ia contra o princípio do contraditório sendo que o juiz não o podia fazer a titulo oficioso seria necessário convidar as partes a concretizar essa matéria. O artigo 51/4º tem dois objectivos: a preservação do principio do contraditório e não intervenção excessiva do juiz na construção do objecto do processo; Preferência por acções de condenação.

Quanto à questão de saber se independentemente da regra será possível e se faz sentido o particular perante um acto de conteúdo negativo manter apenas o pedido de anulação? O Professor Vasco Pereira da Silva refere que isto não faz sentido no direito Português, pois simplesmente pelo facto de o autor não acertar no pedido não justifica como solução a absolvição do pedido decorrente de um simples engano. Como existe apenas uma forma de processo e o facto de ter havido um engano não gera a absolvição do pedido. Desta forma compreende-se porque o nosso legislador não se tenha preocupado muito com esta matéria dando mais atenção à acção de condenação, o particular não possui vantagens no pedido de anulação quando pode obter mais com o pedido de condenação.

Da dualidade ao período de pós-esquizofrenia na responsabilidade extracontratual da Administração Pública


A problemática da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas assume, nos dias de hoje, uma inegável e crescente importância teórica e prática. O legislador nacional, desde a década de 60 do século passado, tem-se debruçado sobre a temática da responsabilidade civil do Estado. Todavia, a evolução não tem sido rápida, moderna e consensual. Aliás, na verdade, o grande impulsionador desta
evolução não tem sido o Estado, como à primeira vista se poderia pensar, mas têm sido as
instâncias internacionais, maxime o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e o TJUE.

Se, por um lado, temos o dever de indemnizar, assente num princípio geral de Direito, com origem romana e acolhido no art. 483.º CC, que nos diz que quem causa um dano a outrem responde por esse dano, por outro lado, há o dever de prestar, que é inerente à atual ideia de Estado que tem
como característica fundamental a defesa do interesse público. Não é fácil atingir o equilíbrio entre estes dois deveres públicos.

Durante muito tempo, como é sabido, as leis e os juristas consideraram que o Estado
era irresponsável por atos de gestão pública, maxime por atos jurídicos de autoridade, especialmente em épocas em que o Poder se concentrava nas mãos de um monarca absoluto, constituindo a exceção, a reparação de tais prejuízos, pois dependia da boa vontade do soberano. Mesmo durante o séc. XIX, época em que o Direito Administrativo se encontrava numa fase muito incipiente, não houve alterações significativas, com exceção da admissibilidade da responsabilidade do Estado no âmbito das relações de carácter patrimonial e, não soberano, estabelecidas com os cidadãos. Nesta época fez escola a ideia do conselheiro do «Conseil d’État» e decisivo fundador da ciência moderna do Direito Administrativo, Edouard Laferrière, segundo a qual é próprio da soberania impor-se a todos sem
compensações. Dizia-se ainda que a responsabilidade é nula quando a função do Estado confina com a soberania.

Nesta seguimento, as Constituições portuguesas do séc. XIX apenas previam a responsabilidade dos “empregados públicos” por faltas cometidas no exercício das respetivas funções: erros e abuso de poder. O Código Civil de Seabra (1867), em consonância com o espirito do seu tempo, estabelecia que os funcionários públicos eram apenas responsáveis se excedessem ou não cumprissem, de algum modo, as disposições da mesma lei (art. 2399.º), caso em que responderia a título exclusivamente pessoal (art. 2400.º).
Vigorava assim, nas palavras de FREITAS DO AMARAL, um regime de responsabilidade exclusiva e pessoal do funcionário e a Administração nem indiretamente respondia. Já no que concerne ao exercício da função judicial, o referido código, distinguia duas situações: uma consubstanciada no princípio da irresponsabilidade dos juízes com exceções (artigos 2401.º e 2402.º) e outra, de forma pioneira, consubstanciada no princípio da responsabilidade do Estado em caso de erro judiciário (artigo 2403.º). Em Portugal, com a revisão do Código Civil em 1930, consagrou-se a responsabilidade solidária do Estado com os seus agentes por atos ilícitos praticados por estes no exercício de funções. A partir dos anos trinta do século passado, a legislação ordinária portuguesa admitiu a responsabilidade civil da Administração por atos ilícitos e culposos, praticados pelos seus órgãos ou agentes no desempenho das respetivas funções estabelecendo uma presunção de culpa funcional nos casos m em que a ilicitude proviesse de mera preterição de
formalidades ou de simples violação de lei.

Com a publicação do Código Civil português, em 1966, entramos numa nova fase
que veio provocar grandes alterações no quadro acabado de percorrer. Ao contrário da intenção originária do legislador, revelada nos trabalhos preparatórios, este Decreto-Lei acabou apenas por disciplinar a responsabilidade por danos causados no exercício de gestão privada (art. 501.º), deixando para as leis administrativas a disciplina da responsabilização da Administração no domínio de gestão pública, a qual veio efetivamente a ser estabelecida, pouco depois, através do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967 (LRCAP). Como efeito, da entrada em vigor deste diploma, passou a haver uma distinção clara, no ordenamento português: havendo danos decorrentes da atividade de gestão privada do Estado, este responde por eles, nos mesmos termos em que responde um particular, sujeitando-se às normas de direito civil perante os tribunais judiciais. Se houvesse danos decorrentes da atividade de gestão pública, o Estado responderja por eles segundo as normas da LRCAP, perante os tribunais administrativos.

Quanto à distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada  – No domínio do antigo ETAF, havia uma profunda divisão sobre a competência jurisdicional para o conhecimento das ações intentadas contra o Estado ou outras pessoas coletivas de direito público visando a efetivação da responsabilidade extracontratual. Tendo por base a proveniência do ato (ação ou omissão) gerador dos danos a ressarcir, entendia-se que a competência pertencia ao tribunal comum no caso de responsabilidade fundada na gestão privada daquelas entidades públicas, cabendo ao tribunal administrativo, o conhecimento das ações de responsabilidade decorrente de atos de gestão públicas. Considerava-se, então, que se integravam nos atos de gestão pública, os atos praticados por órgãos ou agentes da administração no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público. Já os atos de gestão privada eram todos aqueles praticados por órgãos e agentes da Administração quando esta aparece despida de poder público, numa posição de igualdade com os particulares, com sujeição às normas do direito privado. A responsabilidade do Estado era equiparada à do comitente e dava-se em relação a terceiros, lesados com os atos praticados pelos órgãos, agentes ou representantes (art. 501º CC).

Mudança do paradigma em 1976
O art. 22.º da CRP (originalmente era o art. 21.º) dispõe: “O Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”. Este preceito constitucional abarca todas as funções do Estado (a administrativa, a jurisdicional, a legislativa e a política stricto sensu ou governativa), e engloba tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais resultantes do exercício dessas funções, responsabilizando tanto o Estado como qualquer entidade pública. Visa ainda dar efetividade a um outro princípio: o da tutela jurisdicional efetiva, segundo o qual a todo o direito corresponde uma tutela junto do tribunal competente, bem como o respetivo meio processual. Contém ainda o princípio da solidariedade do Estado para com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes. Posteriormente, com a Reforma do Contencioso Administrativo de 2002/04 veio-se remeter o tratamento das questões relativas à responsabilidade civil da Administração, a vários títulos, para os tribunais administrativos, através da ação administrativa comum.
Assim sendo o novo ETAF concentrou nos tribunais administrativos a competência para conhecer da responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos, trate-se de atos de gestão pública ou de gestão privada, distinção que a lei processual já não reconhece e, bem assim, da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade
extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.

A Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro (alterada pela Lei nº 31/2008 de 17 de Julho), prevê o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas

A função principal do instituto da responsabilidade civil é, em qualquer caso e em ambos os ramos do direito civil e administrativo, ressarcir ou indemnizar os prejuízos que, segundo o curso normal dos acontecimentos, não deveria ter ocorrido, ou seja, colocar o lesado na situação em que se encontraria caso tudo se tivesse passado como seria de esperar de acordo com o que é habitual acontecer. Esta responsabilização assenta nas ideias de ilicitude e culpa.

 A ilicitude consiste numa ação ou omissão violadora de princípios e regras constitucionais, legais ou regulamentares; de regras técnicas; de deveres objetivos de cuidado ou resultantes do funcionamento irregular do serviço (art. 9º e 7º/3 LRCEE). Quanto à culpa, esta decorre de um comportamento adotado com diligência ou aptidão inferiores àquelas que fosse razoável exigir, num caso específico, a um titular de órgão administrativo, funcionário ou agente zeloso e cumpridor, com base nos princípios e regras jurídicas relevantes (art. 10º LRCEE), podendo esta culpa ser leve ou grave.

Atualmente, o regime da responsabilidade civil administrativa por atos de gestão privada parece definitivamente confinado ao âmbito de aplicação da LRCEE e consequentemente, à jurisdição dos tribunais administrativos, já que o art. 1º faz corresponder a responsabilidade civil do Estado pela função administrativa a todos os atos e omissões regidas por princípios de direito administrativo. Neste sentido, o Prof. Vasco Pereira da Silva, considera que se encontra encerrada a porta de “fuga para o direito privado”, tendo em conta que por mais privado que seja qualificado o regime jurídico aplicável a uma atividade administrativa, àquela continuam a ser aplicáveis os princípios de Direito Administrativo, em face do art. 2º/5 CPA.

 A impressão global do novo regime (no que respeita à função administrativa) é a de franca abertura à possibilidade de ressarcimento de danos provocados pela máquina administrativa, com soluções de claro favorecimento dos lesados, e que por outro lado resolveram parte dos traumas do passado. Foi um adeus à dualidade e as boas-vindas ao período pós-esquizofrenia, mas o caminho no sentido de um progresso positivo ainda será longo...



VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as Acções no Novo Processo”, 2ª ed., Almedina, 2009
FREITAS DO AMARAL, " Curso de Direito Administrativo - Vol. II, 3ª ed., Almedina, 2016
Apontamentos das aulas teórico-práticas de Contencioso Administrativo A 2016/2017


Catarina Sikiniotis
Nº Aluna 140113036

Penso logo existo



  Reflexiva, saí duma aula da cadeira de Contencioso Administrativo. Enquanto leio o artigo 56º do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, doravante designado por CPTA, não me param de surgir questões, passo a citar o nº1 respectivo artigo “Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado.”

  Primeira questão, o que é aceitar um ato? Não é típico dos atos administrativos a produção dos seus efeitos independentemente da vontade do destinatário? O ponto a que eu gostaria de chegar   é de saber o que é a aceitação para efeito deste artigo e se esta aceitação pode ter um efeito útil e se sim qual. Começando pela aceitação tácita, o Professor Vasco Pereira da Silva entende que esta é inexistente, logo inadmissível, porque efectivamente aceitar tacitamente é aceitar os efeitos do ato que é o que acontece com qualquer ato da Administração Pública, como referi acima, os efeitos produzem-se imediatamente na esfera jurídica do destinatário independentemente da sua vontade. 

  Assim, e concordando com o Professor Vasco Pereira da Silva concluo que a aceitação tácita não pode funcionar como critério impeditivo de impugnação do ato administrativo. Relativamente à aceitação expressa, poderá valer eventualmente se se tratar de uma ilegalidade com pouca relevância, neste sentido leccionou o Professor Vasco Pereira da Silva nas suas aulas. 

  Segunda questão e interligada com a primeira, parece-me que estamos perante uma relação sinalagmática entre a Administração e o particular, tal e qual como uma transacção, em que o particular ao aceitar o ato está como vedado a impugná-lo mesmo que o ato seja ilegal. Bem sei que este sistema da aceitação do ato é um sistema típico do Direito Privado, no quadro das relações privadas, mas não sei até que ponto faz sentido vigorar no Direito Administrativo, porque pelo lado da Administração referimo-nos a realidades que correspondem ao exercício de poderes públicos, que têm como fim a realização do interesse público, já pelo lado dos particulares falamos de direitos. 

  O que está em causa é um ato público que realiza o interesse público e que cumpre a lei mas também pode estar em causa um direito fundamental do lado do particular, e se é um direito fundamental não é um direito disponível. Ora, se levarmos a máxima de que o particular não pode dispor dos seus direitos fundamentais até às últimas consequências, então rapidamente realizamos que o direito de ir a juízo é um direito indisponível logo, este não pode dispor do direito de não impugnar.

   Assim, o particular não pode dispor dos seus direitos num quadro de uma relação pública, no entanto é de fácil compreensão que esta situação ocorra no quadro de uma relação privada, como por exemplo nas relações familiares ou até mesmo nas laborais. 

  Em suma, por esta linha de pensamento e em resposta à primeira questão, dificilmente se encontra efeito útil para a norma do artigo 56º do CPTA, e resolvendo também a segunda questão parece-nos que efectivamente a referida norma não corresponde ao processo administrativo, não fazendo sentido que esta vigore no Direito Público. 

  A minha terceira pergunta gira à volta do facto da disposição da norma no diploma legal, encontra-se na susbsecção II da legitimidade, mas será que o que está aqui em causa é efectivamente a questão da legitimidade? O Professor Vieira de Andrade no defende que o consta do artigo 56ºCPTA nada tem a ver com legitimidade, afirmação esta com que o Professor Vasco Pereira da Silva concorda, pois admitindo que a aceitação do ato vale como um pressuposto processual não temos outra alternativa se não o ver como um pressuposto processual autónomo, no entanto parece-nos um pressuposto processual autónomo sem nome.

  Mas se o Professor Vasco Pereira da Silva não vê utilidade nesta norma, pelas razões acima enunciadas, já o Professor Vieira de Andrade vê, concedendo que efectivamente é uma norma que tem que estar patente no processo administrativo fundando-se no argumento, entre outros, de que efectivamente o particular não pode venire contra factum proprium.

  No entanto, qualificando a realidade e na linha de pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva concluo que o pressuposto processual que de aqui consta não é o da legitimidade, mas confesso que me provoca alguma confusão haver um pressuposto processual inominado, deste modo ao relacionar este artigo com algum pressuposto processual seria o do interesse processual. 

  Ou seja o particular não poderia impugnar um ato administrativo quando há uma manifesta falta de interesse à interposição da acção. Assim, o interesse não é algo que releva em termos de legitimidade, é algo de relevo em qualquer processo judicial, o fim é que o particular tenha algum benefício da decisão daquele caso, o que logicamente pressupõe que haja um interesse processual.

   Dito isto, faço notar que no contencioso administrativo, o interesse processual não era considerado como um pressuposto autónomo, vito que se definia a legitimidade através do interesse, ou seja a legitimidade incluía o interesse, o que me parece, com a devida vénia, uma concepção infeliz visto que pode haver legitimidade numa acção e não haver no entanto interesse em fazer valer determinado direito. 

  Deste modo, ao pensar deparo-me com a conclusão de que a aceitação tácita não faz sentido, e a expressa só faria se se tratasse dum direito disponível, para além de que nunca nos podemos esquecer que estamos no âmbito do Direito Público, em que diferentemente do processo civil, onde em regra os particulares podem intentar a acção a qualquer momento, desde que claro ainda sejam titulares do respectivo direito.

 Já no contencioso administrativo as coisas não se processam da mesma forma, pois há prazos, prazos este de três meses ou o prazo máximo de um ano, assim o particular ao aceitar um ato administrativo, num curto espaço de tempo corre o risco de ficar comprometido com uma afirmação que no momento poderia não conhecer das consequências que com ela adviriam.